Elementar, minha cara mãe...
O que um piano, uma porta e Shelock Holmes têm a ver com a maternidade?
A atriz e produtora indiana Priyanka Chopra explica sucintamente o que é a igualdade que as mulheres lutam tanto para ter nesse video aqui.
O texto pode parar aqui, certo? O óbvio foi dito. Não apenas o óbvio como também o básico. Ela tem muito mais alcance e influência no mundo do que eu. Os homens e algumas mulheres vão finalmente entender que realmente é a luta pela equalidade.
Um tema recorrente para todos os arquitetos é o explicar o óbvio várias vezes visto que tratamos com clientes diferentes o tempo todo. Esse foi um dos motivos que ainda me fazem querer montar um curso de arquitetura, urbanismo, sustentabilidade e design para o leigo. É um tema que já passou pelo meu divã da terapia: eu me irrito em explicar o óbvio.
Já tive que explicar porque a varanda precisa de dreno - pra chuva não empossar - , porque a porta ou a janela tem que ter um certo vão (tamanho) - para passar o piano de caldas que o cliente tem - e por aí vai. Se irrita explicar o óbvio no trabalho, imagina viver explicando óbvio da nossa formação para com o nosso ser? No mínimo, seremos drenadas de energia.
E é isso que acontece com todas nós. Seja explicar porque precisamos trabalhar de casa ou tirar o dia de folga quando estamos com cólica ou jorrando litros e litros de sangue, não querer sair à noite sozinha do trabalho, ou ficar explicando que ser mãe não significa ser incapaz de fazer dinheiro e tomar ótimas decisões - pelo contrário.
Pode parar de ler aqui se o seu tempo for curto. Se você parar por aqui, me mande uma mensagem: como você acha que essa estrutura óbvia, porém invisível te afetou a vida inteira?
No meu caso fui afetada porque eu não quis acreditar no óbvio. Sinto que faço um esforço descomunal para conseguir menos ainda do que mulheres que não têm filhos ou homens conseguem. Mesmo antes de ter filhos, os filhos já me afetavam “será que vão me dar a vaga do emprego beirando os 30 anos? Talvez seja melhor dizer que não quero ter filhos e que não tenho namorado, para que na entrevista nem pensem que eu penso em ser mãe.”
Eu trabalhei num escritório em que meu chefe dizia “Eu só contrataria mães se pudesse. Elas chegam aqui, fazem o trabalho bem feito e vão embora. Ninguém fica de papo na cozinha.” Adorava esse chefe. Infelizmente, no dia que tiveram que cortar custos, quem foi mandada embora? A mãe que tinha acabado de ganhar um projeto de milhões de dólares para a empresa. Porque? Porque ela (eu) não ia ficar lá até 22hrs como todos os outros pais e graduados de vinte e poucos anos ficariam.
Por que o pai fica no trabalho fora do horário? Porque, em casa, tem alguém cuidando dos filhos: a mãe. Aquela que sai na hora para buscar seus filhos na creche/escola antes que feche, para dar jantar em um horário adequado, garantindo que seus filhos durmam cedo e sua biologia funcione bem: sintam-se conectados com alguém que os ama, acordem descansados e prontos para aprender e se tornarem seres humanos educados e saudáveis, reduzindo custos com o sistema de saúde e policial no futuro próximo e distante.
Essa lógica é tão óbvia de que já foi dita no Freakonomics em 2005 (sim, há 21 anos) quando também criaram rebuliço dizendo sobre como a regulamentação do aborto reduz a criminalidade. É óbvio, e se nao fosse antes do livro, que fique óbvio depois. É incontestável. Para dar crédito a alguém que não é famosa porque gastava seu tempo garantindo uma vida saudável e longe do crime para seus filhos, minha mãe, a psicóloga Angela Mello, sempre disse isso ainda nos anos 80. Eu que não queria acreditar no óbvio.
A Forbes publicou uma reportagem sobre o impacto da maternidade no sucesso financeiro e profisisonal das mulheres, inclusive levando em consideração o papel de avós e avôs quando eles se aposentam. O óbvio se mostra comprovado cientificamente: quando a avó se aposenta, a mãe das crianças é mais bem-sucedida no trabalho. O mesmo não acontece quando o avô se aposenta (o pai da mãe). Mais uma vez, o óbvio: mulheres cuidam fisicamente e emocionalmente das novas gerações.
A série do Netflix Explicando, é bem clara no papel que a maternidade tem sobre a pobreza das mulheres. A série pesquisa que no mundo Ocidental hoje, a mulher tem mais chance de se chegar a um cargo executivo quase tal como um homem, no entanto, quando ela se torna mãe, essa chance cai drasticamente. O que concluímos com isso?
1 - que as mulheres ainda são as que mais cuidam da família fisicamente e presencialmente responsáveis pelas milhares de decisões diárias que a tornarão adultos bem regulados.
2 - que a carreira e poder aquisitivo dos pais não é afetada por esse homem ter se tornado pai.
3 - que apesar do mundo dizer que as famosas soft skills e inteligência emocial são necessárias para ser bem sucedido no trabalho, ninguém contrata uma mãe para cargos de liderança mesmo elas sendo indubitavelmente PhDs nessas matérias.
4 - e mais o que? - me conta nos comentários.
Há mais de uma década que eu digo que mães e pais deveriam receber um salário para exercerem a parentalidade. Se o exército recebe salário para servir o país no caso de um ataque armado, porque não fazer o mesmo com mães e pais visto que eles estão gratuitamente criando a mão-de-obra de amanhã? Algumas respostas que escuto:
porque aí ninguém iria trabalhar mais (como se cuidar de alguém não fosse trabalhar) e só querer o dinheiro de estado, ficar na mamata.
porque aí a vida é fácil, né? Ficar em casa brincando de bola com o filho, todo mundo quer.
Essa visão esquece os óbvios:
1 - de que esses pais e mães estão criando os adultos de amanhã.
2 - de que criar crianças e adolescentes é um trabalho mais difícil do que qualquer outro porque há uma conexão emocional intensa e como disse: não há regras exceto pelo que é ilegal. Custa um dinheiro absurdo e ninguém gosta de você por causa disso.
3 - de que o estado pode controlar qualquer política e gasto financeiro com políticas públicas.
4 - de que pai também deve cuidar e não é só dando dinheiro.
5 - de que deixar uma mulher à mercê da capacidade financeira do pai da criança é um passo para depressão que leva à famílias menos equilibradas emocionalmente e pode levar até à violência doméstica.
O discurso que mais ouço é de que devemos aumentar as horas e o subsídio às creches para que as mães “voltem à força de trabalho” (como se as mães não estivessem trabalhando. Reitero que elas trabalham de graça para continuar gerando lucro para o estado e as grandes corporações). Não. Não devemos. Devemos é mudar o foco de criar pequenas máquinas que trabalham para os outros fazerem dinheiro e trabalhar para melhorar a qualidade das pessoas que estamos produzindo.
Vou reformular: precisamos criar humanos melhores.
Quem cria humanos? Mães e avós. Pais e Avôs devem estar tão presentes quanto elas, principalmente depois do desmame. Professores e educadores também fazem parte desse grupo primordial, porém com funções um tanto diferentes.
O que esses humanos pequeninos viram? Humanos adultos que consomem (gastam dinheiro), produzem, curam, cuidam, protegem, constroem, entretém, pensam, pesquisam e inovam. Ou seja, são eles que vão cuidar da gente quando estivermos idosos, são eles que irão casar com nossos próprios filhos e filhas, são eles que irão cometer os crimes desde roubar uma maçã no mercado até apertar o botão para fazer guerra.
Ninguém está dizendo que mães e pais deveriam estar recebendo um salário vitalício. Não, eles deveriam estar em suas áreas de atuação em tempo parcial, seja estudando ou produzindo, no horário escolar por volta de 6 horas por dia, recebendo um salário adicional para completar sua renda, ou no mínimo, ter os custos com as crianças coberto pelo estado como esportes competitivos, artes, culinária ou outros interesses que ajudam no desenvolvimento de um ser humano feliz, generoso e harmônico.
É exaustivo ficar explicando o óbvio. O filme Enola Holmes tem cenas maravilhosas sobre o porquê é difícil mudar estruturas sociais e políticas. O contexto do filme é que a mãe de Holmes, Eudoria, saiu de casa para dar procedimento à movimentos ativistas em prol dos direitos das mulheres na Ingleterra em 1884. Enola, agora com 16 anos, se encontra “abandonada”, sem saber onde a mãe está e inconformada com o futuro numa escola para moças que seus irmãos (Holmes e Mycroft) impuseram a ela. Enola então foge para tentar achar sua mãe. Através de pistas deixadas por Eudoria, Enola acaba se descobrindo uma detetive tão esperta quanto seu irmão, Sherlock.
Vejamos essa cena do filme em que Holmes segue uma pista e chegam ao restaurante da Srta Grayston, que é colega de ativismo de sua mãe e que viu Enola recentemente desde que ela fugiu da escola para moças. Essa cena mostra o óbvio do como somos estruturadas (os) (seja lutando ou aceitando) e por que é tão difícil mudar:
“Não existe a menor chance de você entender nada disso. Sabia?” disse Srta. Grayston.
“Me eduque sobre o porquê disso”, disse Sherlock.
“Porque você não sabe o que é não ter poder.”ela pausa “Não se interessa por política. Por que?”
“Porque é chato”, disse ele.
“Porque você não tem interesse em mudar um mundo que o favorace tanto.”
“Um discurso bonito.”
“Assustador. Você é inteligente o suficiente para saber que cada palavra é verdade.”
Sherlock ficou em silêncio.
Será que eu preciso dizer mais alguma coisa? Ou será que é preciso explicar porque para colocar um piano de caudas na sala precisa-se de, ou uma janela enorme, ou uma porta em que dê para ele passar?
Sou Maíra, autora best-seller da Amazon, arquiteta-urbanista, mestre em design sustentável, mãe, imigrante, aventureira e alquimista do tempo. Facilitadora de Círculos Femininos, trago comigo uma conexão profunda com a natureza e a força criativa do feminino. Não sou fã de redes sociais e prefiro este espaço no Substack, onde posso me conectar de forma mais autêntica com leitoras e leitores. Quero inspirar você a encontrar prazer no seu caminho de vida e, quem sabe, ajudar outras mulheres a transformarem suas palavras em livros publicados. Amo encontrar brasileiras espalhadas pelo mundo e fortalecer nossa rede de troca e apoio.
No Arquitetura da Mulher, ofereço um espaço dedicado a quem deseja explorar sua criatividade de maneira intuitiva e poderosa. Com reflexões práticas, exercícios de autodescoberta e histórias que tocam a alma, ajudo você a resgatar a essência selvagem e projetar um feminino criativo. Se você sente o chamado para nutrir suas ideias e se reconectar com sua magia interior, este é o lugar para transformar seu processo criativo em algo profundo e transformador.
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Seja bem-vinda.
Nosso próximo encontro será dia 27 de Dezembro, às 19:30, horário de Brasília. Gratuito para todas as assinantes.
Tantos assuntos abordados no texto! Gostei Maíra. E me veio muitas vezes à mente o livro "Mulheres Invisíveis" da Caroline Criado Perez que lido com todo senso crítico que uma boa amante de livros e curiosa pela vida deve ter, é precioso.