Estamos em constante construção? Somos obras infinitas de si mesma?
Precisamos estar completas um dia?
Somos seres em construção. Sempre. Diferentemente de um projeto— seja ele uma casa, um restaurante, um arranha-céu—, não há um objetivo a se alcançar quando se trata de nossa criação. Não digo aqui uma criação cósmica, nem biológica. Digo a nossa criação como pessoa, como sujeito da sociedade, como indivíduo dono de angústias, desejos, talentos próprios. Uma criação de identidade. Tenho uma certa ojeriza em relação à ideia de sermos seres finitos e completos como se um dia estivéssemos prontos e acabados como a obra de uma casa.
Uma obra é inabitável ou inutilizável até que esteja completa. Em todo projeto de arquitetura há um dia finito em que o arquiteto, o construtor e o engenheiro saem de cena após receberem a aprovação de um fiscal de obras que irá certificar que sua obra está pronta para ser usada por pessoas de acordo com o uso ao qual foi proposto. Pronta para que? Para que as pessoas que irão habitar aquele lugar tragam vida para lá. A partir do momento em que o arquiteto, o engenheiro e o construtor vão embora, você pode entrar. Você pode começar a falar ali dentro e aquela casa, agora terminada, está pronta para que você comece. Como se fosse um novo capítulo de um livro. Como se fosse o fim de um vôo para um novo lugar onde você pode viver.
A sociedade atual é obsecada com completude, conquistas, projetos, iniciativas e objetivos. Mesmo para as pessoas espiritualizadas—que tentam uma vida mais conectada com o imaterial—alcançar a iluminação como o Buda já é por si só um objetivo que, ao meu ver se contradiz, além de ser uma pressão enorme. Isso se aplica não só ao budismo como às outras religiões mais predominantes no mundo.
Esta é uma distinção clara entre o ser humano e o ser concreto. No entanto, vejo que tentamos o tempo todo definir nossa identidade, buscamos ser uma mulher completa que a partir de certo ponto estará pronta para viver em plenitude, convidando a vida a entrar, assim como fazemos quando a obra da casa termina. Não acredito que somos projetos com um dia finito a terminar para que só daí pra frente possamos viver, que só a partir da hora que o arquiteto, o engenheiro, o construtor e o fiscal (e estes podem ser facetas de nós mesmas) nos terminarem, poderemos trazer a alegria, a dor, a comida, a confraternização para viverem ali. Acredito que estamos muito mais para La Sagrada Familia.
Para quem não conhece, La Sagrada Familia, é uma Basílica em Barcelona projetada por Antoni Gaudí. Ele “herdou” o projeto de um outro arquiteto em 1883. Em 1926, ele é atropelado logo antes de chegar no trabalho e a obra está em construção até hoje, com sua obra sendo concluída por outros profissionais através dos anos. Ela estará pronta em 2032. Serão 149 anos em construção. Só que a basílica não está trancada, escondida do mundo durante sua construção. Ela está aberta em algumas partes já terminadas e outras partes, está fechada. Já há partes suas que estão sendo restauradas. Veja só, nem foi terminada e já passa por um processo de restauração. Há vida na Basílica antes mesmo de estar completa.
Gosto de ver nosso processo de construção de si mesmas dessa forma. Seremos sempre a Basílica La Magnífica Mujer, mas que possamos ser livres para expandir, fechar, abrir e restaurar as partes que nos bem entender ao longo dos anos. Que quem venha nos visitar lembre para sempre a sensação de ter nos encontrado. Ou talvez não, caso ser memorável não seja algo que você queira ser.
Se quiser participar da minha oficina de escrita criativa Arquitetura da Mulher, inscreva-se aqui.
Que tal fazer um exercício criativo?
Liste todas as coisas que você acha que precisará fazer ou ter aos 85 anos.
Liste todas as coisas que você acha que precisa fazer ou ter para estar completa hoje.
Liste todas as coisas que você achava que precisava fazer ou ter para estar completa aos 15 anos.
Liste todas as coisas que você acha que você achava que precisava fazer ou ter para estar completa aos 5 anos.
Repita o exercício para qualquer idade que você achou marcante na sua vida. Exemplos incluem: antes da faculdade, de começar a trabalhar, de ter filhos, de casar, de viajar, de pintar o cabelo, de emagrecer, engordar, de correr a maratona, de ganhar muito dinheiro, e por aí vai.
Compare com o que você acha que precisa para ser completa agora. O que você concluiu? Mande uma mensagem e me conte!
*disclaimer: vivo em duas línguas e tenho certas reservas em colocar material autoral em programas de inteligência artificial para corrigir gramática. Se eu cometi um erro, agradeço a sua paciência e compreensão.
Quer saber mais sobre La Sagrada Familia? Veja aqui
Se você está no Instagram, você pode ajudar compartilhando minhas postagens por lá também @maira.metelo.author